Falta de ação faz crise de aftosa
se arrastar por quatro meses

Saiba como começou a crise no Paraná e por que a Argentina,
que teve um foco quatro meses depois do estado, está à frente
na perspectiva de reintegração ao comércio internacional


Produtores paranaenses aceitaram o sacrifício, como já
aconteceu
no Mato Grosso do Sul

No dia 21 de outubro de 2005 o secretário de Comunicação Social do Governo do Estado, Airton Pissetti, convocou uma entrevista coletiva em que o secretário da Agricultura e vice-governador, Orlando Pessuti, comunicou a existência de suspeita de focos de febre aftosa em quatro fazendas do Noroeste do Paraná, nos municípios de Amaporã, Maringá, Grandes Rios e Loanda. Segundo o secretário da Agricultura, técnicos do Departamento de Fiscalização e Defesa Agropecuária (Defis) haviam identificado 19 animais procedentes da região do Mato Grosso do Sul onde ocorrera focos de aftosa. Esses animais mancavam, tinham salivação acima do normal e febre, sintomas típicos de febre aftosa.


   Na reunião que antecedeu a entrevista coletiva, realizada no gabinete da Secretaria da Agricultura, com representantes de entidades que fazem parte do Fundepec, o diretor do Defis

assegurou que a probabilidade de ser aftosa era de 99,9%, o que fez com que essas entidades aprovassem a decisão de comunicar a grave e forte suspeita ao Ministério da Agricultura e ao público.

Pecuaristas paranaenses
aceitam sacrifício dos animais

Reunidos em Maringá, os pecuaristas das seis propriedades rurais que tiveram decretados focos de febre aftosa, na semana passada, decidiram concordar com o sacrifício dos rebanhos. A única exigência é de que seja feita necrópsia em alguns animais, para posterior investigação sanitária.



   Quanto à operação de abate – e os custos decorrentes, como abertura de valas, mão-de-obra e compra de materiais – os prefeitos da região se dispuseram a fazer o serviço, diante da recusa do Governo do Estado, que, pela lei, deveria fazer os pagamentos.

As seis propriedades rurais têm um rebanho estimado em 4.500 animais. São elas: Fazenda Flor do Café (Bela Vista do Paraíso); Fazenda Santa Izabel (Grandes Rios); Fazenda Cesumar e Fazenda Pedra Preta (Maringá); e Fazenda Alto Alegre e Fazenda São Paulo (Loanda). Somam-se aos 1795 bovinos da fazenda Cachoeira, onde houve o primeiro foco.

O que a Secretaria da Agricultura não contou

Tanto o secretário como o diretor-geral da SEAB, Newton Pohl Ribas, e o Diretor do Defis, Felisberto Baptista, asseguraram que os animais foram identificados pelos técnicos do Defis. Soube-se depois, através de informações publicadas pelos jornais Gazeta do Povo e Valor Econômico, com base em Nota Técnica do Ministério da Agricultura, que a Secretaria da Agricultura já sabia que animais procedentes da região afetada do Mato Grosso Sul tinham sido enviados para o Paraná e vendidos em leilão da Eurozebu, promovido pela Sociedade Rural do Paraná, de Londrina.



SEAB fez exames clínicos antes de divulgar suspeita


   Entre os dias 10 e 21 de outubro a Secretaria da Agricultura teve tempo suficiente para exames clínicos e laboratoriais de materiais colhidos dos animais supostamente infectados. A Nota Técnica do Ministério da Agricultura revela, inclusive, que a Secretaria adquiriu kits para exames laboratoriais - que foram realizados no Laboratório Marcos Enrietti - de forma clandestina.

Com todo esse tempo (11 dias) e os cuidados adotados (exames clínicos e laboratoriais) o grau de certeza deve ter sido tão grande que levou o secretário a enfrentar a entrevista coletiva do dia 21 de outubro para fazer o anúncio dramático de uma suspeita grave.


Conseqüências do anúncio

Ao fazer o anúncio, a Secretaria da Agricultura na prática decretou a existência de focos de aftosa. As normas da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) estabelecem que o reconhecimento de um foco não se dá apenas com o isolamento do vírus ou exames clínicos. Se animais apresentam sintomas, como os descritos pela SEAB, e tiveram contato com gado doente, deve-se tratar o caso como um foco da doença. Ou seja, tem de haver o sacrifício sanitário dos animais suspeitos e dos que estiveram em contato com eles.


   Desde 21 de outubro, as autoridades paranaenses tentaram em vão se livrar das conseqüências daquele anúncio, tentando levar a discussão para o campo político, afirmando que o Paraná estava sendo injustiçado, por que não havia o isolamento do vírus.

Ao agir assim, o Governo do Estado entrou numa disputa que sabia que não tinha chance alguma de vencer. Só se fossem reescritas as regras internacionais da saúde animal. Como resultado, há quatro meses, os produtores rurais e a agroindústria paranaense vêm perdendo, por dia, R$ 4,7 milhões.



   Se o Governo do Estado tivesse agido logo de início, como fez a Argentina neste mês de fevereiro (três dias após a divulgação de um foco os animais suspeitos foram abatidos), o Paraná já estaria se preparando para voltar a exportar carne, já que o prazo mínimo para reinserção no mercado internacional é de seis meses. Como sequer procedeu ao sacrifício dos animais, este prazo nem começou a contar.

A alternativa para as autoridades paranaenses, hoje, é a mesma de quatro meses atrás: ou tomam todas as medidas sanitárias e mandam sacrificar os animais, contando a partir daí o prazo de seis meses, ou não fazem o sacrifício e têm de esperar, no mínimo, 18 meses para que expirem as restrições internacionais e internas.

Em abril deste ano, ao se completarem 10 anos sem focos de febre aftosa no Paraná, o presidente da FAEP e do Fundepec, Ágide Meneguette, havia alertado que "o vírus da febre aftosa rondava o Estado, com ocorrências no Paraguai e na Bolívia". Ele acusou o Governo Federal de irresponsabilidade, por cortar verbas de um orçamento já ridículo para a defesa agropecuária no país (redução de R$ 137 milhões para R$ 37 milhões). E alertou os produtores e técnicos a não baixara guarda contra a febre aftosa.

O que não se imaginava é que, diante de uma situação emergencial, as autoridades paranaenses adotassem a postura de se insurgir contra regras internacionais das quais o Brasil é signatário.

Clientes russos e europeus
insatisfeitos com falta de ação

O Comitê Permanente da Cadeia Alimentar e de Saúde Animal da União Européia emitiu um comunicado recente em que elogia a rapidez com que a Argentina agiu após o foco de aftosa na província de Corrientes. Quanto à situação brasileira, o comitê afirmou que não está satisfeito com os controles da doença no Brasil e que poderá ampliar o embargo para todo o país se "determinados tópicos não forem substancialmente melhorados". O embaixador da Rússia no Brasil disse, na semana passada (20/02) que a demora de mais de um mês para confirmar se havia aftosa no Paraná foi motivo de preocupação. "Não podemos aceitar que por mais de um mês ficamos sem saber se havia ou não focos de aftosa no Paraná", disse Valdimir Tyurdenev, citado pelo jornal Valor Econômico.

Regra internacional foi aplicada
na decretação dos focos no Paraná

Contestar a decretação de foco de aftosa no Paraná é uma discussão estéril, por que a situação já está consumada, à luz do que dizem as regras da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). O capítulo 2.2.10 do Código Sanitário de Animais Terrestres da OIE é claro.

Se um animal esteve em contato, ou suspeita-se deste contato, com animais supostamente doentes (de uma área suspeita ou confirmada de febre aftosa) e apresentou sintomas epidemiológicos – como salivação, aftas na boca e feridas nos cascos – isto basta para que o episódio seja tratado como foco.

No caso paranaense, as próprias autoridades estaduais declararam que havia 99,9% de chances de confirmação da aftosa, por causa do contato com animais doentes do Mato Grosso do Sul e pelos sintomas apresentados.

Veja o que dizem as regras da OIE:

Organização Mundial de Saúde Animal (OIE)
Código Sanitário de Animais Terrestres

Capítulo 2.2.10 - Febre Aftosa

Art. 2.2.10.1

Para efeitos do presente Código Terrestre, o período de incubação da febre aftosa é de 14 dias.

Para efeitos do presente Capítulo, os camelídeos também estão incluídos entre os ruminantes.

Para efeitos do presente Capítulo, um caso significa um animal infectado pelo vírus da febre aftosa.

Para efeitos do comércio internacional, o presente Capítulo não trata somente do aparecimento dos sinais clínicos causados pelo vírus da febre aftosa, como também a presença da infecção pelo vírus da febre aftosa apesar da ausência dos sinais clínicos da doença.

A presença da infecção pelo vírus da febre aftosa fica demonstrada no caso de:

– Isolamento e identificação do vírus da febre aftosa num animal ou num produto derivado deste animal, ou

- Detecção de um antigeno viral ou do ARN viral, específicos de um ou vários sorotipos do vírus da febre aftosa, em amostras procedentes de um ou vários animais que manifestaram sinais compatíveis com a doença, ou epidemiologicamente relacionados com uma suspeita ou um foco confirmado de febre aftosa, ou que deram motivo para suspeitar uma associação ou contato prévios com o vírus da febre aftosa, ou

- Detecção de anticorpos dirigidos contra proteínas estruturais ou não estruturais do vírus da febre aftosa, que não sejam provocadas por uma vacinação, em um ou mais animais que manifestaram sinais clínicos compatíveis com a doença, ou epidemiologicamente relacionados com uma suspeita ou um foco confirmado de febre aftosa, ou que deram motivo para suspeitar de uma associação ou contatos prévios com o vírus da febre aftosa.

Art. 2.2.10.7

Restituição do status de país ou zona livres de febre aftosa.

1..........

2. No caso do aparecimento de um foco de febre aftosa ou de uma infecção pelo vírus da febre aftosa num país ou zona livre de febre aftosa onde se pratica a vacinação, o país ou zona recuperarão o status de país ou zona livre de febre aftosa com vacinação ao final dos seguintes períodos de espera:

- 6 meses depois do último caso, se for aplicado o sacrifício sanitário, a vigilância sorológica e a vacinação em caso de emergência conforme ao disposto do Anexo 3.8.7., sempre e quando os inquéritos sorológicos baseados na detecção de anticorpos contra proteínas não estruturais do vírus da febre aftosa demonstrem a ausência de circulação do vírus, ou

- 18 meses depois do último caso, se não se aplica o sacrifício sanitário, porém foi efetuada a vacinação em caso de emergência e a vigilância sorológica, conforme o disposto no Anexo 3.88.7., sempre e quando a vigilância sorológica baseada na detecção de anticorpos contra proteínas não estruturais do vírus de febre aftosa demonstre a ausência de circulação de vírus.

Pior situação é a do Paraná, afirma
ex-diretor de Defesa Agropecuária

A província de Corrientes, na Argentina, registrou um foco de febre aftosa quase quatro meses depois do Paraná, mas já à frente na perspectiva de ser reintegrada ao comércio internacional. Para o consultor de agronegócios, Ênio Marques, ex-diretor de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, enquanto os argentinos seguiram fielmente os procedimentos e as normas internacionais do combate à aftosa, o Brasil se perdeu no embate de políticas locais, o que causou incerteza para os europeus.

"A questão mais gritante continua sendo a do Paraná, onde os animais ainda nem foram abatidos. Quando os europeus apresentaram um questionário para o governo federal responder sobre o assunto, não havia condições de responder porque muitas ações foram tomadas localmente, sem nenhum respeito aos acordos internacionais", disse Ênio Marques à Agência Estado. Segundo ele, o Brasil está dando prioridade a ações regionais, em detrimento de um procedimento homogêneo e de acordo com as normas internacionais. Para Marques, diante desta situação, o embargo mais brando na Argentina é perfeitamente natural.

Jerry O’Callaghan, diretor da unidade de carnes da empresa Coimex, disse que o setor exportador já esperava um atraso do fim do embargo. "Diante das observações feitas pelos técnicos na última visita, ficou claro que não seria desta vez que o embargo da UE seria levantado", disse.

Fundepec esclarece responsabilidades
no caso da febre aftosa do Paraná

Em nota oficia publicada na imprensa de todo estado (dia 16) o Fundo de Desenvolvimento Agropecuário do Paraná (Fundepec/PR) explica por que não pode dispor dos recursos sob sua responsabilidade sem uma expressa determinação assinada pelo presidente do Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária (Conesa), o secretário da Agricultura e do Abastecimento, Orlando Pessuti. A nota também reitera a estrita observância das disposições do Estatuto do Fundepec, além da posição manifestada em dezembro de 2005, favorável ao abate imediato dos animais da Fazenda Cachoeira, em São Sebastião da Amoreira. Leia a seguir:

O Fundepec-PR e a questão da aftosa

Reunidas extraordinariamente para analisar a situação dos focos de febre aftosa no Paraná, as entidades que fazem parte do FUNDEPEC reafirmam a posição adotada em 12 de dezembro de 2005, confirmada na reunião do Conesa de 11 de janeiro último, favorável ao sacrifício imediato dos animais da fazenda Cachoeira do município de São Sebastião da Amoreira em razão dos graves prejuízos que estão sofrendo as cadeias produtivas do agronegócio paranaense e as economias do interior do Estado.

O Fundepec- PR deseja também esclarecer quais as suas responsabilidades em torno do assunto, como gestor do fundo destinado à indenização do produtor pelo sacrifício do rebanho.

Pela Lei nº 569/48, é o Ministério da Agricultura quem determina a existência ou não de foco de aftosa, após comunicado feito pela Secretaria da Agricultura. Uma vez decretada a existência de foco, cabe à Secretaria, por delegação do Ministério da Agricultura (art. 4º, portaria nº 121/93 do MAPA) fazer o sacrifício sanitário. Para a utilização dos recursos do fundo de indenização do Fundepec-PR é necessária a determinação expressa do secretário da Agricultura, como presidente do Conselho Estadual de Sanidade Agropecuária - Conesa, após feito o levantamento do valor do rebanho por comissão técnica especializada, nomeada por ele, conforme o artigo 5º § 1º da Resolução 072/2003 da Secretaria da Agricultura.

Apesar da pressão exercida pelas entidades privadas para uma solução rápida, a questão da febre aftosa no Estado se arrasta desde 21 de outubro do ano passado, quando a Secretaria da Agricultura anunciou publicamente a suspeita da existência de focos de aftosa em 4 fazendas do Estado e depois travou intensa discussão com o Ministério da Agricultura para negar a ocorrência, eximindo-se do dever de proceder ao sacrifício dos animais tal como estabelece a norma da Organização Mundial de Saúde Animal - OIE.

Assim, o Paraná está, há quase 4 meses, fora do mercado internacional de carnes de bovinos e suínos e parcialmente de aves, além de sofrer restrições no mercado interno. Para voltar a operar externamente em 6 meses, o Paraná precisa obedecer as regras da OIE de sacrifício dos animais. Caso não o faça, com as autoridades postergando decisões ou em virtude de manobras judiciais, o prazo para volta do Paraná ao comércio externo e o pleno exercício no mercado interno levará pelo menos mais 18 meses.

Portanto, para iniciar o processo de normalização de nossa condição sanitária animal, para estancar no mais breve tempo possível os prejuízos de produtores e da sociedade, é indispensável que as autoridades federais e estaduais tomem com urgência as providências cabíveis para eliminação do foco de aftosa.

Curitiba, 16 de fevereiro de 2006.

Federação da Agricultura do Estado do Paraná – FAEP; Federação Paranaense das Associações de Criadores – FEPAC; Sindicato da Ind. da Carne e Produtos Derivados do Estado do PR - SINDICARNE; Sindicato dos Produtores de Gado de Corte e Gado de Leite do Paraná – SPGCGLP; Sindicato da Ind. de Laticínios e Produtos Derivados do Estado do PR – SINDILEITE; Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado do Paraná – OCEPAR; Associação Paranaense de Criadores de Bufalos - ABUPAR; Associação Paranaense de Avicultura – APAVI; Associação Paranaense de Suinocultores - APS; Associação Paranaense de Criadores de Bovinos da Raça Holandesa - APCBRH; Associação dos Abatedouros e Produtores Avícolas do Paraná - AVIPAR

Boletim Informativo nº 901, semana de 27 de fevereiro a 5 de março de 2006
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná

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