Jornal O Estado de S. Paulo

O esvaziamento do MST
 

Quando o principal líder do Movimento dos Sem-Terra (MST), João Pedro Stédile, por ocasião do último "Abril Vermelho" e em "comemoração" do "massacre" de Eldorado dos Carajás, disse que o governo Lula precisava "criar vergonha na cara", muitos viram nessa grosseira afirmação apenas a manifestação de um temperamento ingrato, pois "nunca antes neste país" um chefe de Estado e governo recebera um movimento que não existe legalmente e age ao arrepio da lei no gabinete presidencial, e muito menos colocara na cabeça presidencial seu simbólico boné vermelho. Além disso, jamais esse movimento e seus assemelhados receberam, como no atual governo, polpudos subsídios oficiais, repassados por meio de entidades-laranja. Por que, então, tanta ingratidão?

Matéria assinada por Roldão Arruda no Estado de domingo (Bolsa-Família enfraquece o MST) esclarece, em boa medida, as razões da "bronca" emessetista contra o governo federal. Por causa desse programa assistencial, que distribui dinheiro a 11 milhões de famílias pelo território nacional, nas periferias das cidades e nas zonas rurais mais miseráveis é cada vez menor o número de pessoas que se deixam arregimentar pelo MST para realizar as suas operações habituais de invasões e ocupações de fazendas, montagens de acampamentos e ações correlatas. Como bem se sabe, de há muito a massa de manobra dos sem-terra já não tinha nada que ver com a terra, propriamente dita, ou com a produção rural. Vinham, especialmente, das periferias urbanas, de pessoas sem nenhuma experiência de trabalho no campo - uma das razões, aliás, de tantos assentamentos fracassados e abandonados. 

Eis por que a reivindicação fundiária, que esteve na origem da fundação desses movimentos ditos sociais e ainda é mencionada em seus discursos, deixou de ser a principal estratégia dessas organizações, sendo substituída por ações capazes de causar mais impacto, tais como as invasões de prédios públicos, os bloqueios de rodovias e ferrovias - como a da Vale -, assim como participações em atos predatórios, semelhantes aos realizados pela Via Campesina contra laboratórios de aperfeiçoamento genético de sementes e demais bases de apoio científico-tecnológico ao agronegócio.

Mas o que levaria pessoas contempladas com mesadas do Bolsa-Família a deixar-se mobilizar para arriscadas operações de esbulho da propriedade alheia?

"Não há como negar que nossa capacidade de mobilização tem sido prejudicada por esse programa", diz José Batista de Oliveira, do grupo de coordenadores nacionais do MST, referindo-se ao Bolsa-Família. E continua com sua explicação teórica: "É uma ação paliativa e humanitária. Mas não altera estruturalmente as perspectivas de inserção econômica e social e gera acomodamento."

As pesquisas divulgadas pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) mostram que existe uma relação direta entre a redução do número de novos acampamentos do MST e o crescimento do principal programa assistencial do governo. Em 2002, último ano do governo FHC, foram erguidos 64 acampamentos no País. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, o número saltou para 285. No ano seguinte, porém, caiu quase pela metade e no ano passado não ultrapassou 48.

Reportagem de José Maria Tomazela, também publicada domingo, dá conta da existência de "acampamentos fantasmas" no Pontal do Paranapanema, onde há barracos vazios e em ruínas, que só recebem "moradores" nos dias em que são distribuídas as cestas básicas. O único sinal da presença humana no Acampamento Sul Mineira, em Presidente Epitácio, é um canteiro recém-plantado com batata-doce. Os 18 barracos, na margem direita da SPV-035, que liga a cidade a Teodoro Sampaio, estão fechados, alguns com cadeado na porta, outros com marcas evidentes de abandono. Na última quinta-feira, havia água em duas torneiras abastecidas por tambores de plásticos e "algumas galinhas que ciscavam famintas".

Eis aí a descrição de um quadro desolador. E assim melhor se entende porque o sr. Stédile se mostra, a cada dia, com pior humor: o principal programa social de Lula - quem diria! - está privando o MST de sua massa de manobra.

Editorial do jornal O Estado de S. Paulo de 29 de abril de2008

Boletim Informativo nº 1003, semana de 5 a 11 de maio de 2008
FAEP - Federação da Agricultura do Estado do Paraná
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